Holding Familiar EMPRESA PATRIMONIAL
1. Introdução
Este texto tem por objetivo tratar de dois
conflitos de interesses clássicos habitualmente identificados em empresas familiares,
e que as afetam negativamente, seja em relação ao seu desenvolvimento, seja no
que respeita o relacionamento pessoal entre os membros destas famílias.
O primeiro deles reside na "confusão
patrimonial" que famílias empresárias costumam perpetrar em relação às
empresas que controlam e administram. Ou seja, o comportamento por parte dos
membros da família quanto a utilizarem bens e ativos da empresa em seus
benefícios pessoais, em total desconsideração a princípios essenciais de
Direito e de governança corporativa.
O segundo é o conflito que costuma emergir quando
há falta de um delineamento claro entre como a empresa remunera o capital
investido, ou seja, o que distribui a seus sócios a título de dividendos, e
como remunera o trabalho de seus administradores e gestores, sejam eles
familiares ou não. Esse conflito, clássico em qualquer tipo empresarial,
costuma ser ainda mais profundo e delicado em empresas familiares nas quais
alguns membros da família trabalham e outros não, especialmente em fases nas
quais a empresa não tem lucro, ou precisa reinvesti-Ios em suas operações. Tal
situação costuma resultar em desentendimentos e litígios familiares por vezes
capazes de arruinar, na prática, a empresa e a própria família.
Feitas tais considerações, finalizaremos esses
itens propondo algumas soluções de governança corporativa e familiar que podem
ajudar a mitigar tais conflitos de interesses.
2. Empresas familiares: considerações gerais
Conforme já asseveramos em outras oportunidades1,
as empresas familiares podem apresentar as mais diversas características, tanto
em termos de porte, quanto em elação ao seu faturamento e à geração de empregos
diretos e indiretos, podendo consubstanciar de grupos e conglomerados
empresariais a empresas de grande, médio, pequeno ou micro-portes. Podem ainda,
atuar em qualquer segmento de negócio e explorar quaisquer tipos de atividades
no comércio, na indústria ou na prestação de serviços.
Ademais, independentemente de seu porte e estágio
de desenvolviment02, comportam as mais variadas estruturas de governança
corporativa, governança
familiar e jurídico-sucessória3, podendo ou não. contar, por exemplo, com
conselho de administração, acordo de acionistas ou de cotistas, código de ética
empresarial ou familiar, testamento do sócio controlador etc.
Em vista da multiplicidade de características que
as empresas familiares podem apresentar, temos que diversos são os conceitos
utilizados na sua caracterização, sendo
Certo que nenhum deles é adotado uniforme e
unanimemente entre estudiosos do tema no Brasil e no mundo. Entre os conceitos
existentes, ressaltamos alguns dos mais recorrentes, a saber:
· A
empresa familiar é aquela que se identifica com uma família há pelo menos duas
gerações, pois é a segunda geração que, ao assumir a propriedade e a gestão,
transforma a empresa em familiar;
·
É familiar quando a sucessão da gestão está ligada
ao fator hereditário;
·
É familiar quando os valores institucionais e a
cultura organizacional da empresa se identificam com os da família;
·
É familiar quando a propriedade e o controle
acionário estão preponderantemente nas mãos de uma ou mais famílias. Alguns
ainda sustentam que se a família é só investidora, sem qualquer participação na
gestão, a empresa não é familiar. E outros afirmam que a empresa de fundador,
sem herdeiros, também não é familiar, e sim "pessoal".
Entretanto,
e em termos da necessidade da implementação de estruturas e instrumentos de
governança corporativa, governança familiar e jurídico-sucessória para proteger
a empresa e a família, entende-se que, mesmo sendo esta de titularidade de um
único dono, deve ser considerada familiar sempre que puder ter a sua estrutura
de controle ou de gestão afetada por um divórcio ou. um inventário da família.
Imaginemos,
por exemplo, uma firma individual que já está consolidada no mercado há algumas
décadas, na qual o cônjuge, casado sob o regime de comunhão total de bens, e os
filhos do empresário participam da gestão ainda que de forma eventual e
informal. E, além disso, um deles ou ambos têm interesse em suceder o fundador
na sua atividade. Porque tal empresa seria menos familiar do que outra com o
mesmo porte e objetivo social, porém constituída sob a forma de sociedade
limitada, na qual o sócio controlador, também casado sob o regime de comunhão
total de bens, detém 8,00% das suas cotas, e cada um de seus dois filhos é
titular de 1,OO%? É fato que em ambas as empresas o divórcio do fundador, bem
como sua morte ou afastamento, por exemplo, por incapacidade civil, acarretaria
efeitos jurídicos que poderiam vir a comprometer a estrutura de controle e
gestão empresarial e, consequentemente, o andamento regular dos negócios e a
sua continuidades.
Ou seja,
ambas as empresas descritas podem, potencialmente, vir a ser afetadas por
situações e conflitos familiares e, portanto, necessitam contar com uma
estrutura, ainda que simplificada, de governança corporativa, familiar e
jurídico-sucessória. Assim, no nosso conceito, e para o que por ora nos
interessa, ou seja, a identificação da contraposição de interesses e a
mitigação de conflitos entre família, propriedade e gestão, por meio da
implementação de estruturas e instrumentos de governança, ambas deverão ser
consideradas empresas familiares.
A importância da compreensão desse sistema
integrado, subdividido em outros três subsistemas independentes, porém
superpostos, é que ela pode nos proporcionar por meio da localização
individualizada, em espaços definidos, de cada membro da família e dos
administradores e gestores externos e independentes, não sócios nem tampouco
membros da família, a identificação de prováveis interesses pessoais, em regra
não coincidentes em relação à empresa. Ou seja, pode nos permitir identificar
interesses individuais e prioridades em relação à empresa que tendem a gerar
problemas e conflitos de interesses clássicos nos âmbitos das intersecções
entre família, gestão e propriedade. E, assim, nos encaminhar a encontrar
soluções, caso a caso, para tais conflitos.
Feitas essas considerações trataremos, a seguir,
especificamente de dois conflitos clássicos que costumam permear os círculos
supra descritos: (i) a confusão patrimonial, fundamentalmente entre os círculos
da propriedade e da família, e; (ii) o conflito latente entre remuneração de
capital e remuneração de gestão, essencialmente entre os círculos da
propriedade e da gestão
3. Círculos da propriedade e da família: confusão
patrimonial
As empresas regularmente constituídas, com seu
contrato social, no caso de uma sociedade limitada, ou seu estatuto social, no
caso de uma sociedade por ações, devidamente registrado e arquivado na Junta
Comercial (artigos 45 e 985, ambos do Código Civil) adquirem personalidade
jurídica. Vale dizer, passam a ter patrimônio próprio distinto do patrimônio
pessoal de seus sócios, podendo no curso de sua atividade assumir obrigações,
responsabilidades e direitos também distintos daqueles pessoais de seus sócios.
Na prática, isso significa que tanto nas sociedades
limitadas quanto nas sociedades por ações, ao menos em tese, as dívidas da
sociedade não alcançam seus sócios e administradores, conforme se pode ler no
art. 1Q da Lei das S/A' e no art. 1.052 do Código Civil', e inferir da clássica
doutrina de Clóvis Bevilaqua, quando ainda em vigor o Código Civil de 1916.
A
consequência imediata da personificação da sociedade é distingui-la, para os
feitos jurídicos, dos membros, que a compõem. Pois que cada um dos sócios é uma
individualidade e a sociedade uma outra, não há como lhes confundir a
existência. A sociedade, constituída por seu contracto, e personificada pelo
registro, tem um fim próprio, econômico ou ideal; move-se, no mundo jurídico, a
fim de realizar esse fim; tem direitos seus, e, em regra, um patrimônio, que
administra, e com o qual assegura, aos credores, a solução das dívidas, que
contrae.
Por outro lado, há que se considerar que a
personalidade jurídica como forma de limitação de responsabilidade não é, nem
poderia ser, um princípio absoluto, sob pena de a mesma consubstanciar anteparo
à fraude e lesão a interesses de terceiros, fundamentalmente credores. E,
justamente nesse sentido, a tendência do legislador, amparado por parte da
doutrina, e também pela jurisprudência, tem sido de ampliar a responsabilidade
pessoal dos sócios por dívidas contraídas pela sociedadeJ1, ao menos em tese
visando, fundamentalmente, a coibir casos de abusos e fraudes cometidos por
sócios de sociedades comerciais, sob o "escudo da personalidade
jurídica".
Nessa linha, o Código Civil de 2002 que substituiu
o anterior de 1916, previu, expressamente, em seu artigo 50 que: "Em caso
de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou
pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do
Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de
certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares dos administradoresl2 ou sócios da pessoa jurídica?' (grifo da
autora)
A confusão patrimonial nada mais é do que a
utilização de bens e ativos empresariais em proveito pessoal de sócios e
familiares. Ou seja, causa recorrente na jurisprudência e atualmente prevista
na lei Cível, que permite ao Poder Judiciário estender a sócios e
administradores a responsabilidade por dívidas contraídas pela empresa,
determinando, por exemplo, a penhora on line de contas-correntes e de
outros bens particulares de sócios e familiares.
Outrossim, é relevante ressaltar que além das
consequências jurídicas que podem advir ao patrimônio pessoal dos sócios, em
termos de boas práticas de governança corporativa e familiar, também não é
aconselhável a confusão patrimonial, vez que esta inviabiliza ou dificulta o adequado
controle da gestão e contabilidade empresarial.
Ou seja, impede ou torna nebuloso o controle de
contas e do fluxo de caixa da empresa, uma vez que se confunde o que é despesa
e custo necessário a consecução da atividade social com o que é despesa e custo
da família em seu lazer e vida pessoal.
Nesse sentido, é fundamental que o sócio
controlador da empresa, em geral o patriarca! matriarca crie regras claras e
expressas para impedir que os bens e ativos de propriedade da empresa/pessoa
jurídica! sociedade14 sejam utilizados como se fossem bens particulares e de
uso pessoal seu e de seus familiares.
Ou seja, é necessário que se criem e implementem
mecanismos de governança corporativa e familiar a fim de impedir, por exemplo,
que cônjuges e descendentes utilizem-se de bens de propriedade da empresa em
suas atividades de lazer, como carros e helicópteros, bem como se valham de
serviços de motorista, secretária ou office boy contratado pela pessoa
jurídica para lhe prestar serviços pessoais. Ou ainda, que a empresa pague
contas privadas de seus sócios, por exemplo, a fatura do cartão de crédito do
fundador, a mesada de um filho, a pensão judicial de ex- -cônjuge, e assim por
diante.
Nesse sentido, do ponto de vista da governança
familiar sugere-se, exemplificativamente, que a família e a sociedade regulem
práticas e comportamentos em relação à empresa e a seus ativos, por meio de um
Código de Conduta ou Protocolo Familiar, discutido, elaborado e subscrito por
todos os familiares e principais executivos e conselheiros da empresa. Ademais,
é recomendável que a família reflita sobre a pertinência da criação de um Family
office apto a segregar bens pessoais de bens empresariais, gerenciar os
ativos financeiros da família e a prestar serviços, como fornecer uma secretária,
um office boy ou um jardineiro para suprir necessidades pessoais dos
familiares.
Em geral, é necessário um trabalho profissional
para jurídica e emocionalmente separar de forma muito clara o que é o business,
e o que é o lazer da família controladora, ou mesmo outros negócios que só
a ela interessam. Ou seja, o que é, por exemplo, um carro ou um helicóptero da
empresa (que deve ser utilizado apenas em benefício desta), de um carro ou de
um helicóptero da família, que irá servi-la em seu lazer e sem compromisso com
a empresa (e que, portanto, deverá ter seu combustível, seguro, impostos,
motorista e pilotos pagos com dinheiro pessoal da família).
Finalmente, é recomendável que todos os familiares,
sócios ou não da empresa, participem de cursos, seminários e outros meios de
formação pessoal a fim de compreenderem com maior profundidade as boas práticas
de governança corporativa e a sua importância para o bom relacionamento da
família e o desenvolvimento da empresa.
4. Círculos da propriedade e da gestão: remuneração
de capital vs. remuneração de trabalho
Outro conflito de interesses clássico, com
implicações legais e de governança corporativa, em qualquer estrutura
empresarial, seja ela familiar ou não, respeita à tomada de decisão para a
destinação do faturamento e do lucro da empresa.
Ou seja, deve-se privilegiar a distribuição de
dividendos aos sócios, a remuneração dos administradores e gestores (familiares
ou não), ou o reinvestimento dos lucros nas atividades empresariais?
Em termos de remuneração do capital investido
(distribuição de dividendos aos sócios), temos que quando uma empresa obtém
lucro, seus sócios, titulares de participações societárias, minoritárias ou
não, seja na forma de cotas ou ações, devem auferir um retorno financeiro sob a
forma de recebimento de dividendos, consubstanciado em vantagens patrimoniais,
atribuídas às ações ou cotas, proporcionalmente a sua participação societária.
Em outras palavras, ao sócio deve ser garantida alguma remuneração pelo capital
investido, na eventualidade de a empresa ter lucro. Tal direito, inclusive, é
tido na lei como direito essencial do sócio, no qual “Nem o estatuto social nem
a assembleia geral poderão privar o acionista dos direitos de: I - participar
dos lucros sociais; [...]"
Note-se, outrossim, que o que pode e deve ser
distribuído aos sócios a título de dividendos é uma parcela do lucro líquido,
ou seja, uma parte do resultado do exercício, subtraídos os prejuízos
acumulados, se houver, pago o imposto sobre a renda e a contribuição social
sobre o lucro líquido e ainda participações estatutárias dos empregados e
administradores, se houver.
Ou seja, trata-se de pressuposto legal para a
distribuição de dividendos a existência de lucros apurados em balanço. E a sua
inobservância "implica responsabilidade solidária dos administradores e
fiscais, que deverão repor à caixa social a importância distribuída, sem
prejuízo da ação penal que no caso couber", no caso o artigo 177 do Código
Penal".
Essa observação é absolutamente relevante na medida
em que na prática não é raro encontrarem-se empresas familiares que distribuem
recursos financeiros, leia-se, dinheiro, em desconformidade com o disposto na
lei, inclusive na Lei Penal, incorrendo na supramencionada "confusão
patrimonial". Ou seja, famílias que utilizam recursos da empresa para, por
exemplo, dar mesada a filhos, pagar pensão judicial em casos de separação e
divórcio com recursos da empresa, entre outras práticas contrárias à lei e às
mais elementares regras de boa governança corporativa.
E, como visto acima, dependendo do modo como tal
distribuição é conduzida, por exemplo, sem que haja lucro líquido apurado em
balanço, tal conduta pode levar a consequências bastante graves, não só no
âmbito empresarial como no âmbito do patrimônio pessoal e inclusive com
repercussões criminais na vida de administradores e controladores de empresas,
familiares ou não.
Já no que tange à remuneração de trabalho, tema
central deste item, temos, ainda, que considerar que os profissionais que
trabalham na sociedade, familiares ou não, devem ter o seu trabalho devidamente
remunerado, "tendo em conta suas responsabilidades, o tempo dedicado às
suas funções, sua competência e reputação profissional e o valor dos seus
serviços no mercado". Além disso, em geral, toda a atividade empresarial
necessita de investimento contínuo a fim de manter-se competitiva no mercado. E
tal remuneração invariavelmente tem impacto direto no faturamento da empresa,
afetando o lucro líquido distribuível aos sócios.
Assim, é essencial equacionar o conflito econômico
inerente à destinação do faturamento e do lucro líquido da empresa, com o
desenho de clara política de remuneração de trabalho, de capital e de
reinvestimento dos lucros sociais na atividade empresarial, sob pena de
desequilibrar as relações entre sócios, gestores e muitas vezes familiares de
fora da empresa.
É fato que conflitos de interesse são inerentes a
qualquer relação e atividade humana e, portanto, estão intrinsecamente
relacionados à necessidade de implementação de governança corporativa nas
empresas em geral.
Conforme assevera o Professor. Di Miceli da
Silveira, a raiz dos problemas de governança está fundamentalmente relacionada
à natureza humana, na medida em que "Precipuamente, assume-se que as
pessoas procuram maximizar seu bem-estar pessoal (ou sua utilidade pessoal, no
jargão econômico) ao longo de suas vidas".
Essa premissa, transportada para a atividade
empresarial, seja ela familiar ou não, nos leva a concluir que, se regras de
governança não forem adotadas com relação à política de remuneração de sócios e
de gestores, fatalmente haverá um desalinhamento de interesses entre tais
indivíduos ligados à empresa. Tal porque, conforme explica o mesmo autor
"no contexto corporativo, o executivo é o agente que recebe uma procuração
com poderes para tomar decisões em favor do conjunto de acionistas, seus
principais". E prossegue: "Como os executivos estão sujeitos às
limitações inerentes à natureza humana, os acionistas procura limitar as
divergências por meio do monitoramento das atividades dos executivos e do
estabelecimento de incentivos apropriados para eles. Os acionistas incorrem
então em custos para alinhar os interesses dos executivos aos seus, os quais
são chamados [... ] simplesmente de 'custos de agência"
No Brasil, em razão de uma propriedade acionária
muito mais concentrada, o conflito (custo) de agência reside fundamentalmente
no conflito entre acionistas controladores (agentes) e acionistas não
controladores (agenciadores ou principais). Vale dizer, em custos que decorrem
da necessidade de se criar estruturas legais, regulamentares e de governança
corporativa com vistas a impedir ou minimizar a possibilidade de expropriação
de bens da empresa em benefício pessoal dos sócios controladores que também são
administradores e que, nessa qualidade, se utilizam de bens do ativo da
empresa, ou de parte do seu faturamento (novamente a confusão patrimonial), em
seu exclusivo benefício pessoal e em desacordo com a lei, as boas práticas de
governança corporativa e em detrimento dos minoritários e demais stakeholders Podendo,
inclusive, vir a ser responsabilizados legalmente por tais práticas
indevidas".
Por outro lado, é importante mencionar que, além
desse conflito de interesses inerente à política de remuneração de capital e de
trabalho em qualquer empresa, familiar ou não, no caso das empresas familiares
soma-se ainda outro conflito psicológico que pode afetá-las negativamente, na
medida em que o patriarca, controlador e principal executivo de uma empresa, na
expressão comum "usa vários chapéus" (pessoa no modelo dos três
círculos no número 7). Ou seja, deve ao mesmo tempo tomar a melhor decisão
empresarial e para o bem-estar de sua família. E, portanto, decidir entre
reinvestir lucros ou reformar sua casa, mandar um filho estudar fora do país,
ou tomar qualquer outra decisão que beneficie a família em detrimento dos
interesses da empresa e vice-versa.
Vale dizer, mesmo que a empresa tenha lucro líquido
apurado distribuível, e que esteja equacionado o conflito de agência entre
sócios e administradores, ou entre controladores e minoritários, é importante
que a empresa tenha clara sua política de distribuição e reinvestimento (metas
de crescimento empresarial), sob o risco de o conflito decisório entre
viabilizar o crescimento da empresa, ou comprar uma casa nova para a família,
por exemplo, venha a ser deflagrado.
Ainda nesse contexto, a falta de políticas claras
de remuneração de capital, reinvestimento e trabalho pode levar a outros
conflitos familiares de complexa solução. Conforme visto acima, o lucro
distribuível aos sócios - e ressalte-se novamente: somente aos sócios e nunca
aos familiares dos sócios - começa a ser apurado com o "resultado da
empresa", resultado esse que já teve subtraído o valor pago a título de
remuneração de seus administradores, familiares ou não.
Nesse sentido, pode ocorrer de, em determinadas
circunstâncias, os familiares que trabalham na empresa receberem seus salários
e pro labore e a empresa não ter lucro distribuível aos sócios. Ou seja, irmãos
ou primos que, em razão de suas capacidades e competências passam,
legitimamente, a ter padrões de riqueza instintos. E essa circunstância não
costuma ser bem equacionada em famílias pouco afeitas a boas práticas de
governança corporativa e familiar.
Ressalte-se, ademais que a título de remuneração
dos administradores, devemos reconhecer todos os benefícios econômicos
percebidos por estes, seja de forma direta (exemplo: salários e pro labores) ou
indireta (utilização de carro e outros ativos da empresa), fixa (em geral
salários, pro labores e verbas de representação) ou variável (por exemplo,
participação nos resultados ou opções de compra de ações, em geral em
companhias abertas). Tudo isso pode levar a que, na prática, o padrão de vida
de familiares da mesma estirpe ou geração, seja bastante diverso.
Como se pode notar, no âmbito das empresas
familiares, o surgimento de conflitos tende ainda a ter uma conformação maior e
mais complexa, porque, além de relacionamentos conflituosos envolvendo
potencialmente acionistas e administradores, no sentido de como remunerar o
capital investido pelos sócios e o trabalho dos administradores, familiares ou
não, sócios ou não, têm-se presente as relações pessoais da família e de seus
membros, em geral com forte carga emocional, no contexto de vários papeis
desempenhados, e, por vezes, permeados por disputas afetivas e de poder.
Nesse sentido, é fundamental não apenas uma
política clara acerca da remuneração dos administradores, notadamente os
advindos da família, como que essa remuneração fixada em assembleia geral seja
compatível com as responsabilidades e capacidades de cada administrador, e
ainda com o praticado pelo mercado, nos termos do que dispõe a Lei.
E, em termos de governança corporativa, que se
procure estabelecer uma política de remuneração de administradores que permita
alinhar interesses entre sócios e gestores, desencorajando comportamentos
oportunistas, e sacrifícios de longo prazo da empresa para maximizar benefícios
pessoais de curto prazo dos administradores, como amplamente noticiado pela
mídia fundamentalmente durante a crise financeira internacional de 2008.
Ademais, é fundamental que a remuneração dos administradores e executivos
esteja diretamente atrelada à sua performance individual, e, se possível, de
forma comparativa à performance de concorrentes.
Finalmente, em termos de governança familiar, é
relevante que toda a família, sócios e administradores conheçam a política de
remuneração da empresa. Em geral, os familiares que não têm cargos de gestão
não compreendem porque os familiares, que além de acionistas são também
administradores, recebem da empresa, além de dividendos, salário ou pro
labore, e inclusive algum tipo de remuneração indireta, como carro,
pagamento de escola de filhos etc., embora isso possa representar uma parte da
remuneração justa, aceita e adotada no mercado.
Herdeiros e outros familiares não preparados
normalmente não entendem as dinâmicas mais simples de uma empresa, e tendem a
achar sempre que o parente administrador está "levando alguma vantagem
indevida".
Dessa forma, além de investir na formação
profissional de todos os familiares, também é importante educar e conscientizar
todos acerca da diferença entre remuneração de trabalho e remuneração de
capital. Ou seja, que os que trabalham na empresa vão ganhar duas vezes: como
administradores e como sócios e isto, em princípio, pode ser justo e correto,
desde que todos os administradores sejam escolhidos por suas capacidades
profissionais e pessoais, e sejam remunerados de acordo com o que determina o
mercado. Vale dizer, se por um lado a empresa familiar não pode ser
"cabide de emprego" de familiares despreparados, por outro deve
remunerar seus executivos de acordo com o mercado, sejam eles externos ou
membros da família.
Ressalte-se que, em alguns casos, dependendo do
porte da empresa, pode ser necessária a contratação de firmas especializadas em
avaliar desempenho de executivos, para auxiliar a estabelecer uma política de
remuneração justa e adequada ao mercado, e de forma transparente.
Finalmente é importante que toda a família seja
devidamente preparada para compreender o funcionamento da empresa e do mercado,
e, sempre que necessário, saiba como pedir uma prestação de contas adequada
para os que estão trabalhando na empresa.
5. Considerações finais
Com esse sucinto trabalho busquei demonstrar que,
se por um lado, é verdade que a implementação de boas regras de governança
corporativa é fundamental para o bom desempenho de empresas em geral, por
outro, vislumbramos uma maior necessidade de governança corporativa, familiar e
jurídico-sucessória nas empresas familiares e famílias empresárias.